sábado, 6 de novembro de 2004

revista A Lusitana, n.º 1 - 6.11.2004

A Lusitana
revista de artes, cultura e mundanidades
Ano I - número 1
6 de Novembro de 2004
[aguarda alvará, com autorização]
Apresentação
 
"A César o que é de César e a Deus o que é de Deus" - com esta prodigiosa citação, abrem-se as hostilidades d'A Lusitana. Esta revista será a irmã mais nova do jornal O Lusitano, e como todas as irmãs mais novas, vais ser mais divertida embora mais complexada. Enfim, são disposições e feitios, coisas da vida, etc. Não me vou por agora aqui a falar de algo que, a este momento ainda não existe, muito embora vocês aí já a estejam a ler. Ela só passa a existir no final da primeira edição. Lá, poderão encontrar uma garrafa de champagne virtual para as devidas celebrações, caso hajam. E agora, siga pa bingo! - editor: Jorge Guerreiro

 
Cultura
Palácio Ducal de Faro foi Inaugurado
 
O 1.º Duque de Faro inaugurou oficiosamente o Palácio Ducal de Faro, emwww.algarves.org/palacoducal.htm .
Este palácio oferece uma viagem à volta do mundo, em termos decorativos, fazendo a apologia do Portugal e Algarves intercontinental, ponto de união de culturas e de espaços. Segundo as reacções, o Paço Ducal tem sido bem recebido, sendo que em todos os agradecimentos, o Duque referiu que o palácio é de todos e não dele.
Um projecto hoteleiro poderá nascer de algumas das alas, com o aparecimento de patronos/hóspedes.
 
Cultura
Anunciado o II Festival de Artes e Letras dos Algarves
 
D. Jorge Guerreiro anunciou a preparação da segunda edição do Festival de Artes e Letras dos Algarves.
Esta edição será realizada na forma de mostra, com entrega de prémios por voto popular, nas seguintes categorias: Poesia, Prosa de Ficção, Ensaio, Fotografia e Desenho. O Ministro da Educação e Cultura, D. Luiz Rosado Costa, já confirmou o apoio do governo, assim como a sua própria participação.
A primeira edição, realizada o ano passado, só teve a participação de duas pessoas, pelo que não deve ser difícil bater recordes. "Faz Ouvir a tua FALA!", este foi o lema do ano passado.

 A LUSITANA é um espaço de todos! Assim, quem desejar pode submeter artigos, poesia,
críticas, opiniões - devendo enviar, tão simplesmente, paraj_quintanova@netcabo.pt

Arquitectura
Há uns tempos, um editor publicou uma casa portuguesa, cuja varanda ou balcão, não tinha porta. Desde aí, avançámos um poucachinho e já fazemos coisas a cair para o utilitário.
 
 
MUSEU DE ARTES GIL VICENTE (arquiteto: D. Luiz Rosado Costa / 2004)
 
Entrada sóbria, decorada a negro, dando a indicar a austeridade e o padrão clássico do sítio. O museu apresenta duas galerias, a primeira, dedicada à literatura romana, & a segunda, à literatura grega, ambas com um harmonioso monstruário. 
 
 
 
 
 
 
 
ARQUIVO NACIONAL DA TORRE DO TOMBO (arquitecto: D. Jorge Filipe Guerreiro / 2004)
 
Estilo clássico, de acordo com alguns cânones decorativos portugueses-algarvios, nomeadamente a utilização dos emblemas nacionais e a font Tahoma. Uma cor clara, para permitir a leitura calma dos arquivos lá contidos.
 
 
 
 
 

Poesia Falada

Céu da Mouraria
(Madredeus)
letra e música: Pedro Ayres Magalhães
 
Quando Lisboa acordar
Do sono antigo que é seu,
Hei-de ser eu a cantar,
Que eu tenho um recado só meu.
 
Céu da Mouraria... ouve,
Vai chegar o dia novo!
 
E o sol, das madrugadas todas,
Névoa de um povo a sonhar,
Os teus mistérios, Lisboa
São, as pombas que ainda há...
 

Para a próxima, será melhor e mais variado...
A Lusitana
é distribuida nas seguintes listas:

Expresso Lusitano; Imprensa Régia

Foilhetim Dramático Novelístico - O Dia do Renascimento (6.11.2004)

Folhetim Dramático Novelístico
"O Dia do Renascimento"

Da pena de D. Jorge Filipe Guerreiro, escrito sobre as memórias históricas da Revolução Filosófica

Mandado imprimir em 2004 pela Oficina da Prosa - editores e actualizado em 2018 pela Consortium/OdP.
As personagens aqui apresentadas são ficcionais, sendo qualquer semelhança com a realidade uma coincidência. Faz-se excepção ilustre às personalidades históricas de 22 de Junho de 2002.



CAPÍTULO I

Apresentação

Lisboa, 20 de Junho de 2002



João Lima caminhava pelas ruas de Madredeus à procura de algo. Ao longe podia ver o Palácio de Santa Clara, quase abandonado. Apenas algumas luzes indicavam presença humana, num dos pisos. Ele sabia que nos próximos dias algo importante estava para acontecer. Os rumores de uma revolução estavam a pairar sobre a cidade branca.
Ainda um dia antes, João havia sido avisado que a chegada do Regente estava próxima. Faltavam apenas alguns arranjos operacionais. Apesar de quase todo Portugal e Algarves estar paralisado politicamente, grupos pequenos de reaccionários conspiravam a nível do governo. Ainda era perigoso falar alto, embora quase toda Lisboa estivesse nas mãos dos revoltosos. João era o recém-eleito Comandante da zona de Madredeus, e estava apreensivo.


João, nascido e crescido em Lisboa, passeava clamamente pela rua. Aquilo que tomasse lugar durante e após o desembarque de Dom Felipe D'Feitos seria fundamental para o sucesso da revolução. A sua revolução também, os princípios de Ordem, Justiça e Liberdade postos em prática finalmente, após anos e anos de prisão. Deixar de ver um governo apático, corrupto.

Deixar de ver finalmente a polícia a olhar para tudo nas vidas privadas. Autorizações para fazer viagens. Prisioneiro na sua própria terra, João agora via o dia da libertação, o dia do renascimento.


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Lisboa, 21 de Junho de 2002


Por estes dias, já o barco de Dom Felipe havia zarpado dos Açores, rumo à branca Lisboa, a cidade estava totalmente pronta para a Revolução Filosófica. Todos sabiam o que fazer. Um forte perímetro seria criado à volta do Terreiro do Paço e o ataque final às posições de Santa Clara seria realizado. 

Maria José Beck de Menezes, algarvia de nascimento, era a responsável médica dos militares revoltosos, a escassos 100 metros de Santa Clara.
"O ataque ao palácio de Santa Clara não deve dar muito trabalho!", sussurava a doutora, na esperança que os poucos polícias e funcionários ainda lá, já tivessem zarpado para longe. 
Maria José sabia bem o que fazer. Os dados estavam lançados. Só faltaria D. Felipe D'Feitos desembarcar em segurança, proclamar a Carta de Fundação perante casa cheia no Terreiro do Paço e seguir em segurança para Santa Clara, já libertada, para içar as bandeiras e tomar a Regência. Se tudo corresse bem, acontecia a revolução e ninguém se magoava. Maria José olhava a noite estrelada de junho, o seu olhar percorria as imensidões do céu, o seu corpo tremia com a brisa fria que vinha do mar.

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Dois estranhos, um homem e uma mulher, vivem em Lisboa grandes acontecimentos. No próximo capítulo, contarei a história do seu encontro, fortuito, por entre as ruas de esperança, em Lisboa e em todo o país. Contarei também da revolução de 22 de Junho.

* * *


CAPITULO II
Movimentações Perigosas

Terreiro do Paço, alvorada, 22 de Junho de 2002


O ar estava frio, uma fina camada de nevoeiro pairava sobre o Tejo. Maria José tinha ali sido chamada para tratar de um soldado que se tinha magoado a tentar parar um jipe. Os camaradas deste estavam inquietos.

"Doutora, aqueles tipo eram malucos! Razaram o Manel, fónix, Chanfrados de primeira", bradava um, fortemente chateado.
"Se apanho um, fica já ali debaixo do rio!", matutava um, de costas, com lágrimas nos olhos, ou assim pensava Maria José, ao ouvir a sua voz embargada.
As feridas do Manel eram mínimas. O moço tinha mais cara de susto que de ferido. O ambiente cortava-se com uma faca naquela madrugada. Aquele sítio era o local designado para o desembarque de D. Felipe D'Feitos, tudo estava preparado e nada podia falhar.
"Bem, Manel, assim ficas bem!", disse Maria José ao soldado, bem quentinho num cobertor que um camarada lhe havia trazido.
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"Doutora Menezes, querem-na em Madredeus, parece que as coisas estão a aquecer lá!"

Maria José virou-se para quem lhe falava. Era o Comandante D. Thiago D'Feitos, o responsável pelo Terreiro do Paço e membro da Casa Real. A esperança cobria também Lisboa, junto com o nevoeiro.

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Lisboa amanhece fria, mas por toda a cidade, há cidadãos em armas cheios de esperança. A palavra já se tinha espalhado que
D. Felipe chegaria ao fim da tarde. Todos querem cumprir as suas missões sem mínima margem de erro.
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Madredeus, 7 horas da manhã

Absorto ainda no velho palácio de Santa Clara, João começava a dar de si devido ao sono, quando ouviu um barulho estranho.

Parecia uma pequena explosão, e alguns vidros a partirem-se. Olhou imediatamente e vi uma tromba de fumo a sair do lado esquerdo do palácio. Desde logo, chamou o piquete que estava a 30 metros de si, constituido por 3 rebeldes lisboetas, e avançou pelo descampado para ver melhor. "Atenção à linha de fogo dos gajos! Muito cuidadinho!", mandava João enquanto
avançava à frente dos homens.
De repente, um dos soldados que estavam com João gritou: "Alto, Quem vem lá?", apontando a sua arma. João e os outros lançaram-se ao chão e apontaram também.
"Calma, Calma, Sou médica e estou do vosso lado. Sou a Beck de Menezes", disse a silhueta feminina, no lusco-fusco da alvorada madredeusina.
"Baixa as armas, Alfredo, qu'ela é das nossas!", disse João ao aproximar-se de Maria José.
"O que estás aqui a fazer sozinha?", perguntou João enquanto estendia a mão.
"Mandaram-me para aqui... Parece que há acção aqui!", retorquiu Maria José, e empunhando uma pistola, avançou: "e não te preocupes que estou preparada".
"Valente! mas mesmo assim, olha que se há lugar em Lisboa onde não convém andar sozinha... é aqui".
"Olha que no Terreiro do Paço, não está muito melhor!"
"Prazer em conhecer-te, Maria José, mas vamos para o Palacio, pois acho que os gajos estão a queimar papéis... e quase a fugir
com o rabo entre as pernas", disse João.
"Vamos!"


O grupo, agora de 5, continuou a sua progressão pelo descampado. A cerca de 20 metros, pararam numa cova e João tentou perceber o que se passava. Por toda a parte exterior do palácio não se via nem se ouvia ninguém. Decidiu então avançar!

"Pá, esta cena é toda nossa! Ou esperamos por mais dos nossos, ou avançamos já, até porque eu acho que os tipos já fugiram todos  daqui.", dirigiu-se João aos seus quatro companheiros.
"Ou vai ou Racha, comandante, e é agora!", sussurou logo Adriano Paiva - todos concordaram de imediato.


Um a um, progredindo em escala, foram-se aproximando de uma porta lateral do palácio. Quando lá chegou, João abriu a porta e olhou rapidamente. Nada. Avançou e nada mais do que salas e salas vazias. Todas as lareiras estavam a arder com papéis e dossiers.

Mas dos tipos nem sinal, já tinham todos fugido.
"Amilcar, telefona ao comando e diz-lhes que Santa Clara é nossa!", mandou João, com um sorriso de ponta a ponta.
Todos os cinco gritaram vivas e abraçaram-se.
"Já temos o Palácio Real", gritou Maria José, com a certeza de que as coisas iriam ser menos violentas até á vitória final.


"Gandas malucos, chanfrados", dizia a voz ao telefone - "Já vamos enviar para aí mais homens!"

"Força, Comando, estamos à espera!", respondeu Amílcar, excitado com a primeira vitória do dia.

* * *


CAPITULO III

Ainda nada está ganho
Jardins traseiros da Quinta de Santa Clara, 10 horas, 22 de Junho de 2002

João estava sentado nuns degraus, por baixo de uma estátua de Marte, olhando o panorama geral de Lisboa de manhã após a borrasca.

Os republicanos que ainda restavam na defesa do regime corrupto e bacoco pouco mais fizeram em Lisboa que queimar papéis e disparar um tirozinho tímido antes de retirar para a zona de Sintra.

Poucas horas tinham passado desde a tomada da quinta à primeira aurora, sem resistência séria, e João Lima via-se oficialmente distinguido da patente de capitão da Guarda Negra, passando o seu grupo também para o regimento, que entretanto se tinha instalado na Ajuda. João e os seus logo se uniriam, mas não agora. 

O Estado Maior do Almirante D. Felipe de Feitos estava agora a funcionar em pleno no Terreiro do Paço, em todos os ministérios, a construir o novo estado. A declaração estava já pronta e os nossos aliados já sabiam que iria acontecer.

Nem tudo estava ganho, porém, e isso mesmo preocupava o novo capitão. 
Ainda assim, o grupo de João, os voluntários de Madredeus, tinham levantado o novo estandarte real - ainda sem os leões, que vieram depois, e eram donos e senhores de toda a parte ocidental da cidade.
Na verdade, toda a cidade era monárquica, pois tudo o que fosse republicano estava para Oeste se não já no Porto e Coimbra.

E Maria José. Que teria sido feito dela?

O Sonho
Maria José tinha estado sempre a receber as poucas baixas que iam dar ao hospital  de campanha improvisado, numa tendas ao pé de onde vieram a construir o restaurante Chalet Violeta, a pouca distância do Terreiro do Paço. Ainda que fossem poucos, toda a atenção era-lhes prestada por uma equipa pequena, mas voluntariosa.
Maria dava a cada soldado ou voluntário ali o seu máximo, e muitos haviam recuperado nas suas mãos capazes e voltado à luta.

Na rádio, tocavam marchas militares e, de quando em vez, sai uma balada cantada por uma deusa da rádio de outra década longínqua.

Notícias. Que os reaccionários estavam a fugir para Espanha; alguns capturados. Mas que em geral, não se estava a perseguir as famílias, mas apenas os suspeitos de lutar com armas contra os nossos.

Tudo parecia ganho, mas havia ainda temores de quintas colunas propaladas, às vezes, na rádio.
Como Maria estava muito perto do comando, ouvia nas suas horas de labor e dedicação, os mais variados boatos. Ataques reacionários no Norte. Massacres de zero vítimas, pensava ela, desejando o melhor e sabendo, com grande probabilidade de sucesso, que nada de mais ocorria de mau, de verdadeiramente mau, num país tão pronto para a Regência que vinha dos Açores.

Era quase interessante, e isto tanto na cabeça de João como da Maria José, como era a colónia que vinha libertar a metrópole antiga. A liberdade prometida, baseada na tradição e na continuidade. A república já tinha cometido suicídio há pelo menos 2 anos, nunca a democracia iria pegar a menos que nós mesmos tomássemos em mãos a missão.

Normalidade
O Capitão Lima, agora ainda mais agarrado, recebeu, pelas 11 e 15, as ordens por telefone para se unir ao regimento na Ajuda e ficar de prevenção. Pois OK, são ordens, evacuaram o Palácio de Santa Clara. Ficaram lá os caseiros de antes, que eram fervorosos monárquicos. Fica tudo já pronto para quando D. Felipe fizer a proclamação.

Marcharam calmamente, ouvindo a população na rua, e chegaram à Ajuda que é logo ao lado. O Regimento da Guarda Negra eram 12 tipos, comandados por um Thiago, que vim a saber depois era primo do regente, e infante. Ele era mais artista do movimento e não tanto da violência, mas ainda assim, se não fossemos nós a tomar Santa Clara à maluca, ele não se tinham posto no nosso flanco esquerdo tão à vontade, na meia hora depois.

A alguns quilómetros, Maria já não trabalhava com feridos, senão casos do dia a dia, muito raros. Está agora num gabinete, na enfermaria do Terreiro do Paço, oficialmente a Tenente Beck de Menezes, do Serviço Médico.
Também ela pensava no bravo jovem comandante e no seu destino. Sabia que tinham conquistado Santa Clara, mas nada mais.